"Você é autora?"
Por que encontrar um garoto desconhecido de 13 anos foi o ponto alto da Bienal, para mim
— Ei, professora, vem aproveitar a promoção especial!
Quem fez o convite foi a funcionária de algum estande da Bienal, dirigindo-se a mim, quando passei por ela. Expliquei, brevemente, que não sou professora, sou autora, agradeci e segui. Eu estava me encaminhando para o estande em que ficaria mais tarde naquela quinta-feira, autografando meus livros ao lado de colegas escritoras.
Não tinha andado nem dois passos quando ouvi uma voz afobada atrás de mim:
— Você é autora?
Virei para ver quem falava e dei de cara com um garoto de ar admirado vestindo uniforme da escola. Logo constatei que aquela admiração toda era por minha causa, porque ele estava olhando diretamente para mim. O fascínio dele me fez abrir um sorriso:
— Sim, sou.
— O que você escreve? — continuou o garoto com avidez.
“Meu último romance é uma história sobre consentimento e violência” não me pareceu uma resposta muito apropriada para um menino daquela idade. Então logo me apressei a explicar que meu público é maior de 18 anos, porque escrevo sobre temas mais sensíveis. O garoto não se intimidou:
— Ah, eu não leio coisa de criança. Olha o que eu comprei! — E mostrou, orgulhoso, um lindo box da Agatha Christie que trazia numa sacola.
Perguntei o nome dele; era Lucas (ele se apresentou com toda a pompa, dando logo o nome e o sobrenome).
— Quantos anos você tem?
— Treze.
— E você quer ser escritor?
— Ah, não. Quero ser engenheiro químico! — Deixei escapar uma interjeição de surpresa com a especificidade das aspirações de Lucas, e ele continuou: — Mas adoro conhecer autores.
Numa bienal em que um dos momentos de maior estardalhaço foi a chegada de Felipe Neto, a euforia de Lucas — um garoto de 13 anos que não fazia ideia de quem eu era — em me conhecer foi, certamente, o ponto alto para mim. Especialmente porque ele nem almeja ser escritor, como eu. Mesmo querendo seguir um caminho completamente diferente, um menino de 13 anos genuinamente admira o meu ofício — não porque já viu meu livro no TikTok ou porque passou por um anúncio gigante dele em algum estande, mas porque a profissão de escritor, para ele, é digna de admiração.
Quem é escritor e se apresenta dessa forma ouve constantemente: “Tá, mas você trabalha?” As pessoas ainda relutam em valorizar o que fazemos. Não se vive de escrita no Brasil — de literatura, talvez, mas não de escrita. A despeito de todo o trabalho que dá escrever um livro, de toda a dedicação que isso exige, se essa for a nossa única ocupação, não conseguiremos nos sustentar sozinhos. É por isso que a maioria de nós tem outros empregos e ocupações, que concilia com a escrita.
Quem continua nessa empreitada é porque não consegue não continuar. É o meu caso. E vamos continuar mesmo que nos sugiram prestar concurso público, perguntem com o que realmente trabalhamos ou achem que o que fazemos é hobby. Porque não escrevemos pelo apoio dos outros; escrevemos, e isso basta.
Mas, encontrando um Lucas no meio do caminho, fica melhor ainda.
RELATO semanal
Recomendação: chai latte. Tomo raramente, mas é sempre um deleite.
Empenho: finalizar o novo projeto do meu próximo romance.
Leitura: Aldeia dos mortos, da Adriana Vieira Lomar.
Audiovisual: Modern Family tem me acompanhado nas caminhadas na esteira pela manhã.
Tentação: velas perfumadas.
Obsessão: o livro-reportagem para o meu TCC.
Adorei esse relato. Também é frequente perguntarem aos professores se, além de darem aulas, fazem mais alguma coisa para sobreviver... E gostei de te confundirem com uma professora (rs) porque: a) é sinal de que professores estão circulando na Bienal (Viva!); b) ser autor/a tem muito em comum com professores, pois compartilham modos de viver e ver o mundo. E que bom que você encontrou o Lucas e o frescor de um garoto de 13 anos com planos e sonhos enquanto lê os mistérios de Agatha Christie. Vida longa aos jovens leitores! E aos escritores!
Amei ler isso! Adoro seus relatos nesse formato, sua escrita me lembra dois livros/autoras que adoro, e tem formatos mais diferentes - "No final nada acontece" de Kathryn Nicolai e "Queria ter ficado mais", por Cecilia Arbolave. Recomendo :)